Escrevi há alguns anos um pequeno ensaio a respeito da estabilização da democracia e das relações sociais uma vez concretizada a garantia no emprego no Brasil. Fundamentei em especial na interpretação constitucional e sistemática do artigo 7o, I, da CF/88 e conclui que o posto de trabalho mais do que um direito, é uma forma de transformação social e de aproximação do humano à democracia.
Neste momento mantenho válidos os fundamentos de antigamente. Adiciono, contudo, a fim de se concretizar a democracia e estabilizar as relações sociais, em especial entre capital e trabalho, a necessidade, hoje, de se estabelecer a renda mínima.
Por renda mínima entenda-se um valor mínimo pago pelo governo a cada um dos cidadãos de determinado pais, independentemente da renda, idade e condição econômica da família. Este valor serve, em princípio, para garantir o mínimo, evitar o perecimento pela fome e pela miséria, mas não impede, por exemplo, que o trabalhador adquira melhores condições econômicas em razão de um trabalho prestado quer por conta própria quer por conta alheia.
O sistema de renda mínima termina com o seguro-desemprego, com a aposentadoria especial mas não substitui prestações sociais como saúde, educação e transporte. Não substitui a previdência social, que teria praticamente o mesmo papel de conceder prestações de auxílio-doença e aposentadorias conforme as contribuições havidas.
O papel mais importante deste instituto, contudo, depois de eliminar a miséria e a fome, é de permitir uma discussão mais igual entre empregados e empregadores. Reforça o movimento grevista, onde os trabalhadores, garantidos pela renda mínima, têm maior poder de pressão frente ao tomador do trabalho. É discutir com comida na mesa. Negociar um contrato de emprego com uma renda mínima garantida e não discutir “a renda mínima”.
Esta é uma das formas de concretizar a democracia e a liberdade de escolha e de contratação. A igualdade ou a redução real das desigualdades permite que o trabalhador decida, de forma livre, inclusive o “não querer trabalhar” e viver uma vida mais além do econômico, contribuindo para si, em uma visão contemplativa da existência.
Nestes 70 anos de CLT, a renda mínima como forma de concretização real dos direitos dos trabalhadores seria o grande passo dado pelo poder legislativo a fim de dar a quem vive com o mínimo o poder de participar de forma real das decisões da sociedade. Seria dar poder de negociação a quem não tem nenhum poder real frente ao patrão. Seria trazer para dentro do campo da decisão quem apenas participa com o suor mas não goza dos benefícios do trabalho.
Rafael da Silva Marques - Juiz do trabalho
Categoria: Artigos Set 2013